Desestruturação da Malha Ferroviária Brasileira


Interrompemos nossa programação para falar sobre uma coisa muito importante. Não, não é sobre a super frigideira da Polishop, cujo diferencial é seu exclusivo revestimento com alto poder antiaderente, aliado às seis camadas estruturais que possui. Muito menos falaremos dela, a filmadora mais vendida do Brasil, ela é 7 em 1, filma, tira foto, é MP3…. Enfim, falaremos um pouco da história da malha ferroviária brasileira e os fatores que ocasionaram seu desmantelamento.

Surgimento e crescimento das ferrovias:

Pensem em uma sociedade escravocrata e altamente aristocrata sem nenhum empreendedorismo a vista, esses eram os donos do capital no Brasil dos 30 primeiros anos do Império. As autoridades imperiais incentivaram a todo momento a construção de ferrovias, mas nenhum investidor se prontificou. Até que um sujeito, proveniente de família humilde, quis se aventurar no negócio, quando perguntavam seu nome ele dizia “Irineu”, mas nesse caso era Irineu mesmo, Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá. Ele construiu a primeira ferrovia do Brasil, a Estrada de Ferro Petrópolis, inaugurada em 30 de abril de 1854, cuja pedra fundamental foi lançada por Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, Sua Majestade Imperial Dom Pedro II, Pela graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Ufa...
Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em 29 de agosto de 1852. O ato contou com a presença de Dom Pedro II e diversas outras autoridades.

Anos depois desse marco histórico, surgiram várias ferrovias no Brasil, principalmente com capital estrangeiro, era uma época boa para o café e a indústria brasileira, então baseada na fabricação de insumos para a produção cafeeira. Um dos benefícios para quem se aventurou no ramo ferroviário teve um efeito contrário, era uma subvenção de 30 contos de Réis por quilômetro de via construída, fazendo os trajetos das ferrovias serem os mais longos (e bizarros) possíveis, provocando distanciamento entre as cidades e dificuldades de integração da malha ferroviária, problema que impactou e muito o futuro deste meio de transporte.

No final do Império, o Brasil contava com 9.538 km de ferrovias e cerca de 9.000 km em construção ou em estudo. No início da República (1890 - 1895) foram abertos à circulação mais 3.383 km de estradas de ferro, porém um ano depois houve a confecção de um plano econômico e, visando cortar os gastos, o governo decidiu suspender todas as construções de ferrovias em 1897, decretando a moratória no pagamento das garantias. Em 1906, por 16,5 milhões de libras, a União ficou livre do pagamento dos juros, comprando as ferrovias credoras.
Evolução das linhas férreas durante o Império. Imagem: "O Restaurador"


As ferrovias não ficaram muito tempo na mão do governo já em 1907, o presidente Campos Sales iniciou o processo de arrendamento das ferrovias brasileiras. A República Velha foi o momento de maior expansão da malha ferroviária. Em 1922, ao se celebrar o 1º Centenário da Independência do Brasil, existia no país um sistema ferroviário com, aproximadamente, 29.000 km de extensão, cerca de 2.000 locomotivas a vapor e 30.000 vagões em tráfego.



 O início do fim, o desleixo com o modal ferroviário:

Os caminhões chegaram ao Brasil com o atrativo de exigirem menos investimentos e chegarem na porta das indústrias. Enquanto isso, os ônibus começavam oferecer a facilidade irresistível ao passarem tão perto das casas, facilitando o dia-a-dia dos brasileiros. As estradas, por sua vez, demoravam menos para serem construídas e sua flexibilidade de se acomodar bem em quase todos os terrenos e relevos, era muito atrativa, principalmente, para os governos eleitos que tinham tempo, mais precisamente um mandato, para cumprir suas imponentes propostas visando as próximas eleições.

Resultado de imagem para transporte no governo juscelino propaganda
O Cruzeiro, n.27, 16 abr.1960(CPDOC/FGV/r47)

A onda de priorizar o modal rodoviário começou no governo de Washington Luís, ganhando a fama de “General Estrada de Bobagem”, um trocadilho com "estrada de rodagem". O primeiro governo de Getúlio Vargas continuou nesse caminho, no final da década de 1930, iniciou processo de saneamento e reorganização das estradas de ferro e promoção de investimentos, pela encampação de empresas estrangeiras e nacionais, inclusive estaduais, que se encontravam em má situação financeira, as incorporando ao patrimônio da união. Em 1948, no governo de Eurico Gaspar Dutra, o Brasil contava com 35.623 km de ferrovias, a maioria em estado deplorável. No segundo governo de Getúlio, foi dada a continuidade da estatização do sistema ferroviário, o fazendo mais suscetível a cargos comissionados, apadrinhamentos políticos e corrupção.

Um dos grandes incentivadores da indústria automobilística, Juscelino Kubitscheck, aproveitava a comoção do suicídio de Getúlio Vargas para promover seu projeto de governo. Uma de suas principais bandeiras era o Plano de Metas, se atingiram as metas não sei ao certo, mas com certeza não foram dobradas. Enfim, na década de 1950 o governo requisitou um estudo sobre a situação das estradas de ferro no Brasil. Quando em 1956, os déficits das ferrovias brasileiras representavam 14% da receita tributária da União. Como resultado, em 30 de setembro de 1957 foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) para sanear o Sistema Ferroviário Nacional, reunindo 22 ferrovias. Sua finalidade era: reduzir os déficits, padronizar os procedimentos, modernizar a operação, reduzir a despesa e aumentar a produção. Porém o que aconteceu foi o início do sucateamento.
Palestra de Juscelino Kubitschek no Clube Militar. Rio de Janeiro, 21 jul. 1959(Arquivo Nacional/Agência Nacional)


Por volta do ano de 1960, tínhamos fantásticos 38 mil quilômetros de ferrovias espalhados pelo Brasil, a maior malha da história. Entretanto, manter e atualizar as ferrovias exigia dinheiro, coisa que o país não tinha sobrando. Visando diminuir o número de vias menos lucrativas e otimizar a produção, em 1964, ocorreu um decréscimo para 32.163 km de tráfego, e esta diminuição continuou nos anos seguintes com a extinção de numerosos ramais considerados “antieconômicos”, apesar da construção de vários trechos importantes no mesmo período, como a Estrada de Ferro Central do Paraná e a Viação Férrea Centro-Oeste durante a década de 70.

Em 1984 foi criada a CBTU (Companhia Brasileira de Transporte Urbano) que assumiu a administração da malha urbana que antes era administrada pela RFFSA e era a mais deficitária. Em 1989, os recursos investidos não chegavam a um quinto dos que tinham sido investidos no início da década de 80, não se conseguia pagar as dívidas contraídas nem investir na manutenção, muito menos na expansão, do sistema já existente. Uma nova solução para o setor ferroviário brasileiro veio na década de 90, quando as ferrovias foram privatizadas por meio de concessões. Esse processo aconteceu entre os anos de 96 e 98, quando a malha brasileira já tinha diminuído dez mil quilômetros. 

 situação atual:

A rede ferroviária que já chegou a contar com 38 mil km de trilhos possui hoje cerca de 29 mil km, o que dá uma densidade ferroviária de, aproximadamente, 3,1 metros por km²; é bem pequena em relação aos EUA (150m/km²) e Argentina (15m/km²). Apenas 2.450 km são eletrificados. As ferrovias apresentam-se mal distribuídas e mal situadas, estando 52% localizadas na Região Sudeste.
 

As poucas ferrovias que ainda existentes foram privatizadas ou iniciados os processos de privatização nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. No que tange o transporte de passageiros, os cartéis de empresas de ônibus nas principais cidades brasileiras, muitas vezes, são os principais patrocinadores das campanhas dos governadores e prefeitos, fazendo o transporte de massa como metrôs e trens serem deixados de lado ou adaptados, como BRTs, para que suas empresas possam participar das licitações de operação. Sem dúvida alguma o imediatismo das políticas públicas dos governos brasileiros, resultado da falta de planejamento a longo prazo, influenciou e muito a derrocada do transporte sobre trilhos e, consequentemente, o transporte de massa.
Foto: Diego Nigro/JC Imagem

O fim do trilho...

Referências Bibliográficas:


BORBA, José Luiz ( 2007) . Material de Tração - Pós Graduação em Engenharia Ferroviária ( Belo Horizonte: PUC - Minas Gerais).
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/transporte-ferroviario-por-que-nao-deu-certo-no-brasil.htm
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/328805-FERROVIAS-BRASILEIRAS--DECL%C3%8DNIO-DAS-FERROVIAS--(-06'-01%22-).html
https://paraibaonline.com.br/colunistas/ferrovias-no-brasil-o-porque-de-os-trens-sairem-dos-trilhos/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8031.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9491.htm
http://www1.dnit.gov.br/ferrovias/historico.asp
https://brasilescola.uol.com.br/brasil/transporte-ferroviario-brasileiro.htm